Papo & Papapá
22 de novembro de 2013Justo no dia da que é celebrada a Consciência Negra, 20 de novembro, o portal de turismo AcertePauloAfonso bateu um papo com Jorge Papapá sobre música, composição, poesia, carreira, o programa Balaio e, claro, sobre sua participação no movimento negro.
O NEGRO JORGE: Nasceu e morou por muito tempo no Bairro da Liberdade em Salvador e isso, sem dúvidas, contribuiu muito para que ele tivesse essa força, essa postura.
“Eu conto essa minha historia no bairro da Liberdade na música feita por mim e Sérgio Passos “LINHA OITO SOUL”. Faço um mapa das ruas, cito varias ruas da Liberdade, falo do surgimento do Ilê Ayê em 1974. Se não fosse a iniciativa de Vovô, eu não seria esse negão que eu sou.” Vovô ( Antônio Carlos dos Santos) é o fundador do 1º bloco afro brasileiro denominado Ilê Aiyê. “Quando o Ilê surgiu foi fantástico! A Liberdade era fechada, um bairro negro e fechado. A gente tinha vontade de se assumir como negro. Isso era muito forte. Foi lá que eu aprendi a gostar de mim me achar bacana, me achar interessante.”
Jorge fez parte da primeira célula do movimento negro nacional e foi no ICBA – Instituto Cultural Brasil Alemanha – que foi formalizada a escolha do dia 20 de novembro como o dia Nacional da Consciência Negra, uma proposta da antropóloga mineira Lélia Gonzales. O ICBA foi uma instituição alemã que acolheu o movimento negro e onde surgiu o NÚCLEO, grupo de estudos da cultura negra liderado por Roberto e pelo sociólogo Manoel de Almeida.
“Hoje o Brasil inteiro está relembrando a luta do negro a importância que o povo negro teve e tem no nosso país.”
Foto: Cal Roque
SISTEMA DE COTAS: “são necessárias! Eu acho que tem que reparar. Quando meu irmão mais velho, com 30 anos, passou no vestibular, foi uma festa lá em casa, passamos quase 1 ano comemorando. Porque negro não entrava na faculdade. A seleção já era feita pelo nome/sobrenome. Só entrava os de nomes de famílias de branco. Essa vaga era roubada. As cotas são justas, ela repara. Quantos negros não tiveram acesso a universidade, ao estudo por conta desse racismo, desse preconceito?. É preciso reparar para dar acesso total às pessoas. Muita gente pode usar isso como uma arma. As cotas foram criadas para dar acesso a quem não teve historicamente acesso à universidade. Se a gente respeitar isso... a questão é que alguns se aproveitam. É preciso derrubar isso. Eu acho que as cotas devem durar algum tempo. É importante fazer essa reparação. Hoje o negro já tem acesso... Progressivamente a gente vai vendo que não haverá mais necessidade.”
Foto: Cal Roque
NEGRO x BRANCO: “temos que chegar a igualdade. Eu acho que a luta do negro não deve ser contra os brancos, mas um abraço que devemos dar ao nosso povo."
NEGRO E AS PROFISSÕES: “O negro esta em todas as áreas. Na musica é consolidado, no esporte, os maiores ídolos são negros, no boxe... Nas artes e esportes, OK, mas na sociedade hoje já temos negros advogados, médicos. Mas uma família branca não vai querer ser atendida por médico negro ainda. Ela pode até ir, mas ela vai querer trocar. Quando os médicos cubanos chegaram, teve depoimentos de pessoas que não queriam ser atendidos por uma pessoa com “aparência de empregado domestico” ... isso detonou um racismo embutido. Esses racismos vão aparecendo de acordo com as situações. Muita coisa tem ainda para consertar.
Eu hoje não tenho essa dificuldade porque a minha arte, a minha musica, minha atividade me permite ..... se eu não tivesse nessa atividade, eu teria dificuldade.... Mas depende muito da postura dele, da postura individual. A sua postura lhe coloca para cima ou para baixo. Não admito jamais que olhem pra mim com alguma duvida.”
Foto: internet
CORDEIROS NO CARVANAL: “O GRANDE EXEMPLO DO PRECONCEITO RACIAL. Os cordeiros são negros e pobres, todos os cordeiros são negros e aquela ali é uma demonstração muito clara do preconceito racial e social. Quem pode pagar entra e quem não pode fica protegendo. Aquilo ali é cruel “é o navio negreiro da avenida”. Isso tem que acabar.”
JORGE O MÚSICO, POETA E COMPOSITOR: Além de falar sobre as questões dos negros e suas conquistas, situações de preconceitos explícitas, foi possível saber um pouco mais da vida do artista. De quando entrou na Escola de Música na UFBA, momento de grande importância em sua carreira e quando, ao conhecer Franklin Jr e formou a associação dos músicos onde oportunizou elaborar muitos projetos , shows. Foi de lá que surgiu o “Projeto Seis e Meia", “Música Urgente”, “Música nos Bairros”.
Foto: cartaz do show Arqueologia da véspera
Ganhou o troféu Caymi, com o show “arqueologia da véspera”, que falava sobre o lixo e que dizia que “quem recolhe o lixo do dono conhece o dono do lixo”.
Foto: divulgação
Produziu um trabalho chamado UNDERGRUDE com Marcela Bellas e Helson Hart. A proposta era fazer as canções e publicar na internet. Foi um trabalho muito bom e muito cobiçado por alguns intérpretes. Ainda chegou a ser produzido, não de maneira oficial, mas algumas pessoas tiveram a honra de ter esse trabalho em mãos. É possível ouvir clicando aqui “pise em meu pé, puxe meu saco, me chute na canela, morda meu braço, arranhe minha pele, corte meu pulso, me jogue contra o muro, me dê um murro.... na minha cabeça você não mexa, me deixa....”.
“Ate maluco tem cabeça, a gente mora dentro da nossa cabeça” disse Jorge.
Uma grande parceria na carreira também foi com Sérgio Passos. Ao vê-lo tocar em barzinho, ficou encantado e o convidou para fazer uma parceria. Para fazerem composições juntos. A partir daí, fizeram inúmeras composições de sucesso e a vida mudou...
Foto: divulgação
"Gravei um disco, "Arquiteto de Terror", com uma banda maravilhosa onde tinha Carlinhos Brown como percussionista, Luíz Caldas na guitarra, Cesário Leoni no baixo, Zé de Henrique no e o argentino Guimmo na bateria”.
Já teve Saulo Fernandes como backing vocal, ele tinha apenas 13 anos e era sobrinho de um colega de trabalho (Bosco Fernandes). “O pai dele, Jorge, falou: - “Papapá, vou trazer meu filho para você tomar conta”... ai ele veio de Barreiros e eu o coloquei para cantar na minha banda.”
Foto: Cal Roque
É difícil de acreditar, mas Jorge afirma que sempre era vaiado quando tocava no carnaval porque seu repertório era só de músicas autorais, músicas que ninguém conhecia. Entendia que não era interessante repetir as mesmas músicas que todos os blocos cantavam o tempo inteiro. As mesmas músicas que hoje são sucessos já foram vaiadas um dia.
Outra curiosidade é que ele diz que não gosta de ouvir música. Mas isso é algo perfeitamente compreensível diante da explicação que “escutar o silêncio dá condições de produzir. A mente precisa estar em silêncio para que as composições possam fluir".
POR QUE PAULO AFONSO? Conheceu a cidade e enlouqueceu com tamanha beleza. Há 15 anos vem frequentando a nossa cidade e isso fez com que construísse laços fortes de amizade, criasse uma certa identidade, despertando o desejo de morar aqui. “Hoje, com essa coisa da internet, você pode estar em qualquer lugar. Conversa com o mundo. Então, morar aqui é igual a morar em Salvador, nas asas da internet.”
Foto: Cal Roque
O BALAIO: A convite de Giuliano Ribeiro, aceitou fazer um programa de rádio onde poderia ser elaborado a critério dele. E a ideia principal seria falar sobre música. Mas de uma forma descontraída, irreverente e não engessada. É um programa ao vivo, com microfones abertos, onde é possível errar, acertar, falar o que pensa. O programa iniciou em 12 de janeiro desse ano e tem uma audiência enorme. Ainda não está como ele gostaria, pois entende que outras vertentes artísticas podem ser exploradas. Mas isso é algo que vai sendo construído aos poucos. A intenção é que o balaio seja um lugar que revele talentos. Há uma possibilidade de fazer um festival de música onde o artista grava, manda para a rádio, a música toca na programação por um tempo e posteriormente será feito o concurso. Possibilitando que os ouvintes tenham a oportunidade de conhecer trabalhos novos.
Foto: Balaio
PARTICIPAÇÃO NO JAZZ NA RUA DA FRENTE: Gostou bastante do convite, mas admite que não entendeu o porquê de estar sendo homenageado. “Fiquei emocionado, me atrapalhei... eu nunca tinha recebido uma homenagem de música em praça publica. Aquele cartaz tava muito lindo! Eu usei, mandei para um monte de gente! Apresentação naquela praça foi fantástica!”. Gostou de Gnomo dar uma outra roupagem para suas músicas, pois acredita que cada artista tem que ter seu jeito. Admira quem tem trabalho autoral. “Para reproduzir, é melhor que eu mesmo toque”.
Foto: Jeovanna boas ofertas
CENÁRIO MUSICAL DA REGIÃO: considera que o nosso cenário é maravilhoso. Que temos muitos artistas bons. Mas não é muito adepto a shows em bares porque entende que bar não é lugar de música. Bar é lugar para conversar, bater papo. As pessoas que se apresentam precisam de atenção. E a música aqui acontece nos lugares errados. Pois é desperdício ter excelentes artistas se apresentando e as pessoas não estarem prestando atenção. “É muito falso isso. Eu não toco para ninguém. Acho que o bar deveria adotar um sistema de show. Senta, apaga a luz, começa o show e se cala. Depois que acaba o show não tem musica e pode conversar. Nem você conversa nem ouve musica. As pessoas precisam ouvir o silencio para valorizar a musica. Precisam ver a musica.”
A música precisa de um local adequado para acontecer e esse local é a praça, o teatro, lugares que as pessoas sentem e escutem. É onde se evidencia a formação de público.
“O artista tem que sugerir. O artista não é o que faz o que as pessoas gostam, é o que faz o que as pessoas não sabem o que é.”
Citou alguns exemplos de artistas locais, como Gean Ramos, que considera um artista diferenciado, que compõe muito bem e ser índio o credencia ainda mais. A voz é muito bonita, é articulado, tem qualidade musical, músicas de própria autoria; Amilton é um excelente músico, mas já falou diversas vezes para ele que seria interessante cantar as próprias músicas. Gosta muito do trabalho instrumental de Gnomo, que ele é um grande representante aqui. Falou também do Percussiclando, que também é um trabalho instrumental, mas é diferente, mexe com o social, com a ecologia. É um trabalho de qualidade. “Eu acho maravilhoso”, afirmou.
Foto: Cal Roque
MÚSICAS E HISTORIAS: Ficou clara a bandeira de compositor defendida por Jorge, na visão dele, "as histórias de hoje precisam ser contadas. Gil e Caetano tiveram uma visão do mundo naquele momento e contaram a história da época. Se não houver compositores, como ou por quem a história de hoje será contada?"
Foto: Cal Roque
"Foi um enorme prazer esse bate papo com o Jorge". Ana Paula
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Por Ana Paula Araujo
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