POESIA NA LAVANDERIA AINDA SE ARRISCA E ENCONTRA PEDRAS NO CAMINHO.
4 de agosto de 2015“A poesia está guardada nas palavras” já destacava Manoel de Barros. E então no primeiro dia de Agosto, lua ainda em destaque no céu, noite fria e praticamente combinada com a segunda edição do Poesia na Lavanderia, projeto idealizado por Gecildo Queiroz, não seria algo mais propício para se descobrir o que acontecera ali. O vento gelado ainda soprava em plenas 21 horas, horário propício para iniciar o evento no Coffee Bar e Lavanderia Blue Cleaning, localizado na Av. Antônio Carlos Magalhães, 104 - Bairro Panorama (por trás da rodoviária).
O local pensado para realizar o evento era a primeira parte do espaço, logo após a entrada. Naquele horário o espaço parecia não comportar muitas pessoas, isso tornaria-se irrelevante já que “a arte existe porque a vida não basta”, como diria Ferreira Gullar.
O ambiente nos reportara a um local tipicamente exclusivo para declamações: luz baixa, quase que em total escuridão, apenas um foco destacava a área reservada para o microfone e o declamador. O bar não tocava músicas, como é de costume tocar. Mas tal preferência foi reforçada pela figura de Gecildo que diz que a música poderia dispersar a poesia que deveria existir ali, baseado em sua proposta.
A cidade de Paulo Afonso/BA ainda traz resquícios de um não costume com a poesia, a música se torna um pouco mais acessível, mas ainda assim com resistência do público que precisa ser educado, ensinado, acostumado com ações como a que ocorrera no Coffee Bar.
O clima era intimista, pequenas velas foram espalhadas por todo o local, as pessoas pelo menos prestavam atenção às poesias recitadas quando alguém tomava a iniciativa de apresentar-se com coragem frente o microfone, o lugar chegou a ficar apertado e com pessoas em pé, mas não por muito tempo. A proposta é que as pessoas comam poesia, vivam, sintam, ouçam, toquem-na, e exclusivamente a poesia, sem a interferência de músicas ou vídeos ou conversas paralelas.
Querendo concentrar-se no que era declamado, ouvia-se as pessoas reclamando para quem fazia barulho. A noite estava reservada àquele momento. Os declamadores se revezariam entre uma poesia e outra. Em alguns momentos o chiado constrangedor do microfone prevalecia e nem mesmo muitas conversas entre as pessoas presentes podia-se escutar.
Diferente de sua primeira edição, o Poesia na Lavanderia arriscou tomar um dia de bastante movimentação e rotação dentro do Coffee Bar: um sábado à noite. Sendo que sua primeira edição aconteceu especificamente em uma quarta feira. Algumas pessoas que chegavam não sabiam o que estava acontecendo, sentiam-se (e era notável que estavam) desconfortáveis, deslocadas.
Assim, não permaneciam por muito tempo e logo saíam do recinto. Para um evento de poesia que aconteceu em um dia de bastante movimento no espaço do Coffee Bar, Gecildo soube sustentar as costuras entre as poesias das pessoas que iam até o mini palco, instalado por ele (provavelmente), e que prendeu pessoas que ficaram por um tempo razoavelmente bom para o que estava acontecendo.
Ainda houve quem declamasse Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Viviane Mosé, Elisa Lucinda, Adélia Prado, e até mesmo canções de Pablo (para descontrair), contanto que as palavras fossem ditas, contanto que a poesia fosse exposta para quem queria ouvir poesia.
Ali tinha quem quisesse ouvir e quem não. Até poemas autorais foram declamados, o que não se torna uma surpresa quando um palco aberto é disposto a isso. Aos poucos as pessoas foram indo embora. O local foi dizendo que já bastava por aquela noite. Gecildo soube encerrar a noite dizendo que o projeto do Poesia na Lavanderia necessitava dormir, descansar, mas que voltaria em breve.
A atitude ousada não foi de todo o mal, teve por um lado o seu sucesso considerando que foi de bastante risco. O público respondeu bem, mas houve momentos em que o silêncio reinava e o som do microfone ligado era agonizante.
A ideia ainda prossegue querendo trazer e convidar mais pessoas, como por exemplo alunos dos cursos de Letras e alunos de escolas da rede municipal, e tem algumas ferramentas para dar certo. Há gente que necessita desse tipo de atividade, pois era perceptível que mesmo quem não sabia o que iria acontecer ali, permaneceu e ficou até o suposto fim.
Algumas pessoas bem que gostariam de recitar algo, mas o problema com a surpresa daquele momento não os fez estarem preparados. Uma das sugestões dadas ao idealizador do projeto, que está satisfeito com o resultado, é que ficasse disposto algum livro ou aparelho eletrônico para pescar as poesias desejadas.
Sem data para retorno, o Poesia na Lavanderia ainda tem muito que caminhar, com pedras no meio do caminho, relembrando o poema de Drummond, porém nada que impeça a vontade de ter mais noites acolhedoras, prazerosas e interessantes como aquela.
Mesmo assim, encerro com uma frase marcante de Bertolt Bretch e que retrata bem o que aconteceu, acontece e acontecerá na proposta do projeto: “Todo piso será palco, todo parede, mural. E a cidade inteira poesia”.
Por Luan Almeida é ator, cantor, compositor e dramaturgo.
Fotos: Clicia Nascimento